quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Desconstruindo Harry (Deconstructing Harry)

Como artista, Woody Allen é um paradoxo vivo: como é possível que, apesar de vir interpretando o mesmo personagem há mais de 20 anos, ele consiga se reinventar a cada novo filme, introduzindo sua já clássica persona cinematográfica em histórias que, independente de sua complexidade, são verdadeiras sessões de auto-análise? E como seu alter-ego em celulóide, sempre ansioso, agitado e gesticulando muito, ainda é capaz de nos fazer rir depois de tantos anos?

A resposta: Allen não é apenas um cineasta dotado de extrema cultura e de um timing cômico irrepreensível. Ele é, antes de tudo, um dos mais talentosos roteiristas que o Cinema já produziu - e não estamos exagerando. Tomemos, como exemplo, Desconstruindo Harry, um dos mais ácidos, inteligentes e divertidos roteiros que este diretor já escreveu (e vale lembrar que estamos falando do responsável por verdadeiras obras-primas como Manhattan e Hannah e Suas Irmãs). Aqui, o alter-ego de Woody Allen se chama Harry Block. Block é um escritor de sucesso que, infelizmente, se encontra no meio de um terrível `bloqueio` que o impede de trabalhar em seu novo livro. É quando sua antiga Faculdade (da qual foi expulso) resolve homenageá-lo e ele começa a procurar por alguém que aceite acompanhá-lo até a cerimônia.

Block é um homem cheio de neuroses e conflitos. Para piorar, ele tem a mania de basear seus livros em acontecimentos reais de sua vida pessoal - o que faz com que suas ex-esposas, sua meia-irmã e seu cunhado nutram verdadeira aversão por ele. Durante sua trajetória em busca de uma companhia para a cerimônia de homenagem, o escritor acaba reencontrando todos os personagens que criou ao longo dos anos, numa referência mais do que óbvia ao clássico Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman. A partir daí, Woody Allen constrói uma comédia deliciosamente mordaz - talvez uma das mais `rasgadas` de toda sua carreira. Desta vez, o diretor não economiza nos palavrões e nas referências sexuais mais explícitas. Menos sutil do que de costume, seu roteiro ainda traz as costumeiras reflexões, sempre hilárias, sobre morte, sexo e religião. O roteiro encerra, ainda, pequenas histórias `extraídas` dos livros de Harry, como a do ator (vivido por Robin Williams) cuja vida se encontra `fora de foco` - condição representada, no filme, pela própria falta de foco do personagem, cuja imagem se encontra sempre embaçada - e como a da esposa que descobre, depois de 30 anos de casada, um terrível segredo sobre o passado de seu marido. Como de costume, cada um destes personagens é interpretado por um `nome` de Hollywood, desde Billy Crystal até Demi Moore.

Desconstruindo Harry é, em suma, um programa obrigatório para os apreciadores do bom cinema. Repleto de bom humor e fantasia - e regado por fartas doses de auto-crítica -, este filme merece lugar de destaque em qualquer antologia sobre a produção cinematográfica da década de 90. Ponto para Harry Block... digo: para Woody Allen."

Fonte da crítica: Cinema em Cena

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